Ontem eu espanquei, violentamente, aquele outro eu por ser
tão covarde. Enojei-me de me assistir frágil daquela forma naquela outra
figura. "Tu devias voltar ao oblívio que te coloquei", do outro lado
do espelho reside essa figura mentida até a existência ao qual me excita
simplesmente ao olhar... Talvez seja o sadismo exacerbado ou a frieza calculada
de cometer pederásticos sacrifícios, mas ele (ou eu), crucificou aquela figura
frágil (e minha), esfolando-a a pele. O que restaram-lhe foram as carnes, os músculos
frouxos, os ossos. Completamente desnudo, jogado sobre os restos de carne
porcamente estripados. Imagino o quão doloroso deve ser sentir o sangue
coagulando pelas extremidades. Respirar torna-se uma tortura. Mover-se é doloroso.
Mas eu me sinto tão excitado.
Difícil é conter essa ereção furiosa, dura, causada pelo sacrifício.
Teu sofrimento me excita do outro lado do espelho. Rijo, contra minha mão, eu gemo aos prazeres
de nos ver morrendo, mesmo que, em consciência, eu saiba que mesmo através da morte,
no final dessa transa apenas sobrará a mim, e não seremos mais uma consciência
ampla. Excita-me o teu sabor, imaginar o gosto do teus lábios esfacelados
desmanchando-se contra os meus e o sabor do teu sangue que, já misturados com a
tua saliva, invadem a minha língua. A consistência do teu toque, quase liquida,
banhando meu corpo.
Nunca estivemos tão unidos.
Confesso que empatia nunca foi meu forte e que honro teu
restos pelo respeito ao teu sacrifício. Não que tenham sido dadas muitas
escolhas, mas imagino que gestos de nobreza devem ser exaltados. E é tão belo, vendo agora, o teu tórax
pulsando por resistir ao clamor daquela que está ali, sentada no sofá, com o clitóris
dentre os dedos. Ou seria o meu clamor? Não quero incomoda-la visto a falta de
intenção em se juntar a brincadeira. "Seremos apenas eu e eu mesmo, está
bem?", ela não responde, mas a mão se fecha forte, como que abraçasse
terminantemente aquele membro. O teu
corpo se desmancha contra o meu e já sinto tuas costelas, individualmente,
chocando-se contra a minha pele. Meus
dedos percorrem teu dorso que, pouco a pouco, dissolve-se em vértebras. Tua
cintura se resume a uma bela crista e tu, já tão feito de ossos... E eu já tão próximo
do êxtase.
Por alguns instantes te imagino dentro de mim.
Sinto meu corpo convulsionar dentre tuas carnes diversas e
ossos já esmigalhados sobre meu corpo. E
como que pronto para gozar, desloco-te o maxilar e fluo pelo teu vazio, escorro
por onde houve uma traqueia e mergulho contra o chão. Me sinto pronto e, ao
mesmo tempo, me sinto morto. Ela levanta daquele sofá, me abraça, suas mãos
escorrem pelo meu peito, tocam meu pênis ainda melado do gozo e, então, ela
prova do meu esperma. Nada diz, seu corpo é como o som se propagando no vácuo.
O rosto não denuncia nenhuma satisfação. Nada. Mergulho, então, de volta ao espelho,
que já não reflete nada.
Por ter matado a mim.
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